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Regulamentação da reforma tributária traz clareza sobre ITCMD, dizem especialistas
Texto do PLP 108 consolida regras para o imposto cobrado sobre heranças e doações, incluindo a progressividade e alíquota única
A recente aprovação na Câmara dos Deputados do PLP 108/2024, que regulamenta pontos da reforma tributária, consolida também algumas novas regras para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Com a definição sobre as bases de cálculo, progressividade e restrições, especialistas da área tributária e de sucessões avaliam que o cenário vai movimentar os planejamentos e pode estimular as transmissões antecipadas de patrimônio.
Além disso, embora ainda dependa da sanção presidencial e de atualizações das legislações estaduais, especialistas entendem que o novo texto vai evitar litígios, considerando principalmente a uniformização das normas, que hoje variam conforme estado, mas também a definição expressa de alguns termos.
Entre as mudanças promovidas pela reforma tributária está a progressividade nas alíquotas do ITCMD, a depender do valor transmitido. Atualmente, 17 estados já adotam progressividade, mas outros, como São Paulo, Minas Gerais e Paraná, aplicam alíquota única.
Com a regulamentação do PLP 108, os estados terão de alterar e adequar suas leis internas. As alíquotas estaduais do ITCMD poderão chegar ao teto de 8%.
A adequação das leis é um movimento que já começou, segundo Vanessa Cardoso, sócia do Keramidas Advogados. Em São Paulo, por exemplo, tramitam dois projetos: o PL 7/2024, que prevê alíquotas de 2% a 8% do imposto, e o PL 409/2025, que estabelece progressividade mais branda, com faixas entre 1% e 4%.
A depender da data de publicação de cada norma estadual, o ITCMD poderá ser cobrado considerando a anterioridade anual e a noventena.
A padronização de obrigações acessórias e de metodologias para apuração do valor de mercado dos bens e direitos transmitidos, para efeitos da incidência do ITCMD, poderão ser estabelecidos mediante convênio entre os estados.
Base de cálculo
A reforma também estabelece que a base de cálculo do ITCMD será o valor de mercado dos bens transmitidos e não mais o “valor venal”, conceito que gerava disputas judiciais. O advogado Roberto Barrieu, sócio do Cescon Barrieu Advogados, comenta que “o ITCMD sempre incidiu sobre a transmissão do bem e, portanto, a base de cálculo sempre foi o valor de mercado desse bem”. A questão, diz, é que muitas vezes não é possível determinar qual é esse valor de mercado.
O PLP 108 introduz um ponto sensível para planejamentos sucessórios envolvendo empresas. O texto prevê que, em doações de cotas de sociedades, a base de cálculo seja o valor de mercado dos bens ou de balcão da bolsa de valores. Isso implicará, na prática, a necessidade de avaliações mais complexas e custosas.
“Ainda que o bem seja transferido para sociedade com um valor, que era de aquisição, ou seja, quase um valor histórico daquele bem, com a reforma, para fins de doação, o que tem que ser considerado é qual é o valor de mercado dos bens que compõem o patrimônio daquela pessoa jurídica para definir o valor do imposto a ser pago nas doações de cotas. Isso também é um planejamento sucessório”, explica Cardoso.
Barrieu considera que essa é uma das mudanças mais significativas. “Estamos falando de determinar o valor de uma empresa limitada ou de uma sociedade anônima sem cotação de mercado a partir dos valores de mercado dos bens que compõem o seu patrimônio, mais o valor de mercado do fundo de comércio, o que não é nada simples. No caso de uma empresa patrimonial imobiliária basta considerar o valor de mercado dos imóveis, mas imagine uma indústria, que além do estoque tem ativos fixos e ainda o fundo de comércio. Isso vai gerar muitos debates, necessidade de perícias, certamente elevará o valor do ITCMD a ser recolhido e o processo de apuração do imposto tende a ser mais demorado”, afirma.
Hoje há diversos estados que aceitam o patrimônio líquido contábil da empresa como base de cálculo, o que tende a deixar de ser possível.
Novas hipóteses de incidência
Outro ponto consolidado pelo PLP 108 é a equiparação ao fato gerador do ITCMD de duas práticas comuns em planejamentos: o perdão de dívidas entre pessoas vinculadas e atos onerosos simulados, como “vendas” por valores simbólicos quando o comprador não tem capacidade financeira. A mudança busca fechar lacunas que permitiam transmissões gratuitas sem pagamento do imposto.
Vanessa Cardoso exemplifica: “O filho tinha uma dívida com o pai e essa dívida é perdoada e sem incidência do ITCMD. A partir de agora, esse tipo de arranjo de empréstimo, que é feito em vida, passa a estar sujeito [ao pagamento]. Então se o pai empresta e o filho não paga isso vai ser considerado doação”.
Nestes casos, a advogada comenta que, apesar de a transmissão ser declarada como empréstimo, se ela tiver caráter gratuito e não tiver nenhuma contraprestação, como a cobrança de juros, a transmissão pode vir a ser declarada como onerosa em simulação. Com isso, também seria fato gerador do ITCMD.
Esse tipo de alteração vai movimentar os planejamentos sucessórios e pode estimular as transmissões antecipadas de patrimônio.
Cobrança sobre heranças do exterior
A reforma também resolve uma controvérsia histórica que é a cobrança do ITCMD sobre heranças e doações oriundas do exterior. Após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021, a cobrança do imposto nesses casos dependia de Lei Complementar, lacuna agora preenchida pelo PLP 108. Os estados, porém, ainda precisarão editar suas próprias normas para começar a cobrar.
“Não vai estar sujeito ao ITCMD se doador e donatário ou de cujus, ou seja, o falecido e os herdeiros, estiverem no exterior. Nos casos em que o doador e donatário estão no Brasil terá a incidência do imposto”, explica Cardoso, que considera a pacificação importante para dar segurança e reduzir os litígios.
As novas regras também definem qual estado será competente para tributar bens móveis provenientes do exterior. Pelo texto, se o doador residir no Brasil, o imposto será devido ao estado do doador. Se o doador ou falecido residir no exterior, o imposto será devido ao estado do herdeiro ou donatário.
Não incidência
O texto aprovado do PLP 108 manteve a não incidência sobre a extinção de usufruto, prevista no texto original, e também afastou a cobrança de ITCMD na transmissão dos fundos de previdência privada (VGBL/PGBL), adotando a jurisprudência do STF no RE 1363013 (Tema 1214).
A tese de repercussão geral fixada foi pela inconstitucionalidade da incidência do imposto “quanto ao repasse, para os beneficiários, de valores e direitos relativos ao plano Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) ou ao Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano”.
